sexta-feira, julho 29, 2005


O prior, o mendigo, o abade e o pneu careca

Estou solidária com o Padre Feytor Pinto. Nunca pensei que tal me acontecesse, pois sobre a Igreja Católica - como sobre as outras Igrejas - costumo limitar-me a um sincero voto de que vão fazer muitos prosélitos para o quinto dos infernos. No entanto, as acusações de falta de caridade cristã ao pároco do Campo Grande são imerecidas. O homem pediu, do púlpito, à plateia para não dar esmola aos omnipresentes mendigos, antes os encaminhar para a obra de assistência social lá do sítio... e estava pejado de razão. A esmola é um lavar de mãos fariseu. E a caridadezinha uma abominação do Senhor.

Depois, salta da rua um energúmeno irritado por ver em perigo o seu rendimento garantido – os lugares de mendigo na Igreja do Campo Grande são muito lucrativos e quase tão disputados como os da Administração da Caixa Geral de Depósitos – e vai de agredir o prior. Sim, eu sei que o mendigo deve ter direitos adquiridos e que aquele segundo degrau bem posicionado, onde chovem euros à hora de ponta de ver a deus, lhe custa a segurar. É natural que só o consiga usando diariamente os punhos, como garante da sua visibilidade para as surtidas de esplendor misericordioso dos pios. Mas e por isso o pároco devia estender a outra face? E recusar-se a apresentar queixa contra o agressor, coitadinho, que é pedinte de profissão? Hmm… tal sugestão só pode partir das mesmas almas caridosas que assinaram cartas anónimas a pedir a cabeça do Pinto por este ter achado admissível o uso de preservativo quando um dos membros do casal é seropositivo. O que, vendo bem as coisas, é um crime de lesa-santidade. Pior do que apresentar queixa contra um mendigo. Ou do que não lhe pagar os euros da protecção divina.

Também estou solidária com Mário Soares. Nunca pensei que tal me acontecesse, pois nesta altura do campeonato reservava a minha solidariedade para com todos os bolos-reis mártires de Portugal. Mas... qual a lógica de uma civilização que prolonga como nunca a expectativa de vida das pessoas e lhes passa atestados de incapacidade por velhice? Revolta a presunção de Alzheimer anunciado que salta, qual palhaço da caixa, quando um octogenário se perfila no horizonte de mentecaptos que acham que idade é doença. Mário Soares tem, como qualquer cidadão – desde que maior de trinta e cinco anos – direito a candidatar-se a PR… e a repetir a dose em 2010, com viçosas oitenta e seis primaveras. Se isso lhe adiantará algo no rodapé da História ou se será o Presidente ideal para o momento, não vem ao caso.

Finalmente, estou solidária com os pneus carecas dos camiões do lixo da Câmara Municipal de Lisboa. Nunca pensei que tal me acontecesse, pois sou, em geral, pouco sensível às adversidades capilares alheias. Mas, segundo o pai do bebé Dinis Maria, foi devido à tonsura dos ditos que lhe interditaram a nobre iniciativa de se pendurar nos veículos para acompanhar as noites loucas dos servidores municipais. Foi enternecedora a preocupação de Carrilho com a segurança dos homens do lixo. Aliás, percebia-se no esganiçado da voz a tortura que os pneus carecas lhe causavam. Por um lado, foi pena, visto que se perdeu uma vocação: não há dúvida que Carrilho seria muito mais bem aproveitado nos dejectos do que em qualquer outro emprego camarário. Mas os pneus foram heróicos… suspeito até que se depilaram por abnegação. O que é contagioso: se isso servir para afastar o sujeito da edilidade, podem chamar-me Sinéad.

quinta-feira, julho 21, 2005


Motivos pessoais, familiares e de cansaço

Não duvido das razões apresentadas por Campos e Cunha para a demissão. Ser ministro das finanças, hoje, em Portugal, é profissão de altíssimo risco e desgaste fulminante. Resistiu quatro meses? Que herói… se ele até pagava para trabalhar! Os dois mil euros de ordenado que lhe deixaram eram inferiores aos rendimentos da actividade académica. Mesmo que, por definição, não fizesse pevas na faculdade. Claro que a família reclamou. Claro que é pessoal. Claro que o homem está cansado. Os únicos imbecis que pagam para se chatear são os que trabalham por conta própria e têm consciências pouco elásticas. Quem está habituado a viver bem à custa d’outrem não se sacrifica. Até porque a família reclama. E a coisa torna-se pessoal. E a pessoa cansa-se.

segunda-feira, julho 18, 2005


Fogo fátuo

Os escritores são as pessoas mais vaidosas do mundo. Falam imoderadamente da sua produção, quais pais neófitos de filhotes recém-nascidos. A propósito de tudo e de qualquer coisa, lá vem a menção ao último volume, nem que este seja mera compilação de artigos publicados no quadro de pequenos anúncios do supermercado local. Os escritores são, também, as pessoas que menos vale contactar para prestar testemunho sobre algum grande vulto falecido. Porque acabam sempre a falar de si próprios, o vulto mero reflexo da luz natural do escritor.

Sem mais:


Jornalista: Maldonado Só, foi amigo do falecido Vulto durante mais de sessenta anos. Na sua opinião, que fica dele para a posterioridade?

Escritor Amigo do Vulto: Foi um companheiro de todas as horas, Ester. Aliás, quando escrevi o meu Manual Ilustrado de Catequese para Aborígenes, foi ele o primeiro a dizer-me Maldonado, amigo, tu tens o domínio da palavra como poucos missionários oriundos do Baixo Alentejo! O que me incentivou imenso para avançar com o meu segundo livro, Aventuras de Duas Cabras e Três Ovelhas à Sombra de Uma Azinheira que já não Sabia a Idade, com o qual vim a ganhar o prémio Pastorícia-69, atribuído pela Ordem dos Veterinários, aliás um galardão de enor…

Jornalista: Foram, creio, colegas de escola?

Escritor Amigo do Vulto: E de carteira, Ester, e de carteira! Aliás, por causa disso, há um episódio engraçado: quando o Expresso me dedicou um suplemento para assinalar o cinquentenário da publicação do meu primeiro volume de poesia, Caracol ao Sol com Cachecol, o que aconteceu em simultâneo com a atribuição do seminal prémio Tio Mais Prolífero do Vácuo Arquitecto não Praticante, o ora falecido ofereceu-me uma carteira em forma de carteira! Fiquei, naturalmente, desvanecido, até porque já tinha homenageado esses tempos de infância na minha trilogia, Memórias de Uma Mesa Mal Comportada, que - convém relembrar - foi a primeira trilogia portuguesa traduzida em celta. Uma língua tão melódica e…

Jornalista: Visitou-o muitas vezes, nestes últimos anos de retiro e doença?

Escritor amigo do Vulto: Sim, Ester, e mesmo no Natal passado, estava eu muito ocupado com o lançamento e promoção da obra, a minha mulher, Meadhbah, foi oferecer-lhe um exemplar autografado de O Mistério do Bolo-rei com Duas Favas, a minha incursão pelo romance policial negro, género que manifestamente já não é menor, aliás em Dezembro sairá um segundo volume, O Mistério do Coscorão sem Ovos, que o meu editor considera um verdadeiro Falcão de Malta, estamos em negociações com uma produtora americana para o filme, Steve Buscemi manifestou interesse no papel de coscorão…

Jornalista: Foi o depoimento de Maldonado Só, o escritor que privou com o Grande Vulto desde a infância e nos pintou um retrato na primeira pessoa do homem que hoje desapareceu, deixando o país mais pobre. Iremos de seguida ouvir o sempre prestimoso depoimento do Dr. Mário Soares, que não conheceu o Vulto, mas chegou a avistá-lo ao longe, envolto em bruma, quando ambos viviam em Paris, no princípio dos anos 70.

quarta-feira, julho 13, 2005


Bombistas suicidas e o lugar no paraíso

Está garantido: ficarão à direita da Deusa. Uma caucasiana castradora, com laços familiares a W. Bush, desbragada, de saias curtas, omnipotente, omnipresente e hiper autoritária. A quem servirão pela Eternidade. Tudo pela Glória, como lhes fora prometido.

terça-feira, julho 12, 2005


Felismino nasceu



Bonitão, do alto dos seus três quilos e muito, chegou e seduziu. Um rouba-corações, o novo bebé do GF. Futuro presidente do féquêpê, segundo o babadíssimo progenitor. Como é difícil escolher um nome à altura…

quinta-feira, julho 07, 2005


No panic, please...



We're British.


Espumeja algures



Um espúmeo assaz espirituoso, um ferino e acutilante espumífero, um imprescindível e Verdadeiro Espumante, que espumadamente... cumpre hoje - bidúbadá - um anito de vida: Muitos Parabéns!

quarta-feira, julho 06, 2005


Maria José Nogueira Pinto



Há quem fique nervoso só de ouvir a conjugação do nome próprio com o apelido. Há quem ache Mickey Mouse o seu maior aliado. E há, ainda, quem - uma maioria, certamente - a ache uma decrépita tia com trejeitos de possidónia loira. Tudo bem, fica a imagem em profundo contraste com a pessoa.

Agora, se conseguirem, obnubilem a tez partidária e deixem-me dizer bem de quem faz melhor.

MJNP fez porventura a maior reestruturação na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Transformou custos parasitas em gastos estritamente necessários e eficazes na acção social, reduziu direcções de serviços desprovidas de sentido, racionalizou e dinamizou proveitos, organogramas, estruturas. Devolveu à terceira idade a dignidade possível numa cidade amálgama, proveu a organização para as chamadas ajudas técnicas, renegociou competências com o CRSS no âmbito da toxicodependência. Consensualmente, terá sido a melhor provedora desde 1974.

Trata-se de uma profissional extremamente competente, com uma capacidade de trabalho impressionante e uma dedicação entusiasta. Quantos da horda política serão assim? Escassos, muito escassos.

Ontem apresentou-se como candidata à presidência da edilidade da minha cidade. Recusou ser um produto centrista, candidata-se pelo que vale e contou com o apoio de personalidades de vários quadrantes, entre os quais Medina Carreira.

Entre um jurista encrava túneis, um vlad anafado, um filósofo pseudo-menino-guerreiro e uma mancha negra, venha a tia loira, farta de determinação.


Exorcismo

Pessoas que tiram férias em Junho e aparecem radiosas em Julho a fazer pirraça aos esbodegados que só podem partir em Agosto e aos destituídos de Setembro merecem o ar macilento que as espera venha Outubro.

terça-feira, julho 05, 2005


Falando de louros



Odeio dobragens, que não de filmes e séries de animação infantil, bem infantil mesmo. Só não estava a ver de onde me vinha, de súbito, esta vontade de afirmar tal coisa. Até que reparei melhor no título do postzinho anterior: não há louros para os amadores. Quando o usei devo ter pensado que se apropriava ao tema dos Jogos Olímpicos, cada vez mais profissionalizados. E até ao favoritismo parisiense para 2012. Só hoje percebi que me veio do título de um filme que representou uma das mais monumentais banhadas da minha promíscua vida cinéfila. Há uns anos, deparei em Paris com o anúncio de um ciclo de cinema americano, Les héritiers de Hitchcock, ou algo parecido. O primeiro filme era apresentado como um thriller do início dos anos 60, baseado numa obra de Irving Wallace, The Prize, com Paul Newman e Edward G. Robinson. O resumo falava em intriga policial, com laivos de humor, passada em Estocolmo, entre os agraciados com o Nobel. Na dieta de pretensiosismo francês em que me via então diariamente envolvida (ninguém consegue ser tão absurdamente chato como um intelectual francófono) aquele trash americano criou-me água na boca. Antecipei o azul glorioso de Newman jovem, o rasping de Robinson, a intriga policial escapista, os clichés do género, Estocolmo na Primavera… enfim, um delicioso double cheeseburger em regime de escargots. Nhac!

Hélas! Era um cheeseburger com antenas. The Prize havia virado Pas de Lauriers pour les Tueurs. Paul Newman falava com a voz de um cantor popularucho, um Britney Spears francês, Edward G. Robinson era vocalizado por um fulano que noutra encarnação emprestara o seu laconismo a um qualquer high street cowboy. Só hoje percebi quanto fiquei traumatizada com aqueles cinco minutos de filme. Malditas dobragens que roubam a alma a qualquer Poupas! Go children of the country, the day of glory has arrived...

segunda-feira, julho 04, 2005


Pas de lauriers pour les amateurs

Madrid 2012 - Rainha Sofia muito optimista em Singapura.

London 2012 – Tony & Cherie hiper confiantes, idem.

New York 2012 – Americanos certos de que oferecerão NY 2012 a George W. depois de amanhã, dia do seu aniversário.

Moscovo 2012 – Presidente da Câmara moscovita convencido que a cidade leva um ligeiro avanço.

Sapristi! 'Tá-se mesmo a ver que os franceses têm a coisa no papo. Bienvenus à Paris 2012…


O dia da Santa Casa

Foi um dos primeiros portugueses a aderir ao tele-trabalho. Faz todos os contactos por correio electrónico, todos os pagamentos por homebanking e todas as compras pela Internet. Só vê cinema em casa e tem um pequeno ginásio doméstico. Hoje é um caracol feliz: finalmente, pode jogar no Euromilhões sem abandonar o aconchego do lar.


O pintor de domingo

Há uns meses, um dos preguiçosos que escreve (ou não escreve) neste blog, disse-me que o seu problema era faltar-lhe tema e sobrar-lhe tempo. O que ele precisava mesmo era que lhe dessem o mote e lhe exigissem o texto num prazo curto. Como sou uma optimista e acredito nas pessoas contra todas as evidências, avancei de imediato com a marcação da tarefa. Debalde, claro. Aliás, de banheira. E o tema, que era tão avassalador… digam lá que o pintor de domingo não dava pano para posts?

Desde aí, sempre que alguém no GF se queixa de falta de assunto, os outros saltam-lhe em cima com "então… e o pintor de domingo?" Para acabar de vez com esse mito urbano, acabei de publicar sobre o tema. Quod erat demonstrandum.


A culpa é do macaco

Aquando do lançamento do pertinente video carrilhista, percebemos que uma campanha séria precisava de muita reflexão. Vai daí, decidimos dar quatro meses de férias pagas aos guardadores candidatos a uma autarquia. Curiosamente, todos demonstraram de imediato uma enorme ânsia de concorrer a prrrresidentes da junta. Assim, o Filipe foi fazer filmes de campanha para uma praia. Claro… o azul marinho fica lindamente nos cartazes. Por seu turno, o Diego está a aguardar o nascimento iminente do seu trunfo número dois para uma vitória eleitoral e, embora me pareça que já não vai a tempo de ensinar o trunfo a debitar o eficaz slogan da-da pó-poleiro, quem sou eu para duvidar dos superiores conhecimentos políticos das babes e dos babies dos candidatos? Entretanto a Francisca, que é uma perfeccionista, decidiu tirar uns meses para reflectir antes do período de reflexão. Está certa: reflectir é uma actividade musculada e exige aquecimento, sob pena de roturas. E eu sei que o sonho da Francisca é ter a Edite Estrela como mandatária, logo toda a reflexão é pouca. O JoãoG descuidou-se um pedaço e foi o último a ir de reflexão, gosta de correr riscos, ainda se fica por uma candidaturazézinha bonsai… De modo que nem me passa refilar pelas ausências, é tudo a bem da nação e ninguém tem culpa que eu seja a única desocupada sem consciência política por estas bandas.